Pages

17 de fev. de 2012

Brasil, país das motos


por Geraldo Tite Simões

Para um mercado que comprava 100 mil unidades há 20 anos, o atual índice de dois milhões de motos por ano é mesmo surpreendente

Nem nos sonhos mais delirantes alguém poderia imaginar esse título até o começo dos anos 90. Até 1992 o máximo que o mercado tinha atingido chegou a 100.000 unidades ao ano. Em 2011, pela primeira vez, superamos a marca de dois milhões de unidades vendidas num ano, e não demorará muito para que as motos ultrapassem os carros em número de produção e vendas.

E mais: o dado de dois milhões refere-se apenas às oito marcas auditadas pela Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares (Abraciclo). No total, são 24 marcas que atuam regularmente no mercado brasileiro. Portanto, esse número pode ser bem maior. É um mercado difícil de auditar porque o controle das outras marcas é feito com base no número de emplacamentos, mas muitas motos passam toda a existência sem qualquer documento além da nota fiscal.

É curioso analisar os dados do mercado. Em nenhum outro país do mundo uma marca detém tamanho domínio de mercado como é o caso da Honda no Brasil. A marca tem 79,7% das vendas, enquanto a segunda colocada, a Yamaha, tem 11,6%. Muitas vezes encontrei jornalistas estrangeiros, que me questionavam o motivo de tamanho monopólio da Honda. E eu respondia que era uma explicação demorada e complexa demais.

Para entender essa indagação é preciso conhecer os mercados do resto do mundo. Na maioria dos países nos quais as quatro grandes marcas japonesas atuam — Honda, Yamaha, Kawasaki e Suzuki —, existe um relativo equilíbrio. Não existe domínio de uma marca. Nos testes comparativos realizados na Europa e Estados Unidos, podemos observar que as motos desses quatro fabricantes se equivalem em tudo. Realmente é como se o mercado brasileiro fosse uma ilha de insensatez.

A inquietação dos estrangeiros aumenta quando revelo que a Yamaha começou a fabricar motos no Brasil antes da Honda. E preciso recorrer a longo discurso para narrar a história das duas fabricantes. Em termos de produto, são praticamente iguais: não há quem possa afirmar, sem grande carga de parcialidade, que os produtos da Honda sejam tão melhores que os da Yamaha a ponto de criar essa distorção no mercado. Se a explicação não está no produto, onde pode estar?

A resposta daria uma tese de doutorado, mas de fato essa imensa distorção não está na qualidade dos produtos — está muito mais na estratégia de marketing adotada por ambas, em especial no momento mais determinante da economia brasileira, quando a Zona Franca de Manaus abriu as portas para a fabricação de veículos. A Honda acreditou no potencial de mercado e se instalou para se beneficiar dos subsídios oferecidos pela Suframa (Superintendência da Zona Franca de Manaus). Como a Yamaha titubeou e decidiu muito depois, o resultado foi essa lacuna quase abissal entre as duas marcas.

A bem da verdade, a Yamaha continuou com algumas políticas equivocadas de mercado até cerca de dois anos atrás, quando uma nova equipe de profissionais, com visão mais moderna do mercado, assumiu o departamento de marketing. Mas recuperar essa distância será praticamente impossível. O melhor a fazer é tomar cuidado para não perder espaço para as novas marcas que chegam de olho no filão de dois milhões de unidades.


As outras
Recentemente comprei uns ganchinhos autoadesivos nos Estados Unidos. Ao chegar ao Brasil, notei que precisava de mais alguns e adquiri outros bem parecidos. Em menos de duas horas os ganchos comprados no Brasil já tinham descolado e caído. Os comprados nos EUA estão presos até hoje. Detalhe: todos foram feitos na China.

Esta historinha é para acabar com o preconceito de que tudo feito na China é sinônimo de baixa qualidade. Provavelmente você está lendo este artigo em um computador cujo processador foi feito na China, assim como o monitor, o gabinete e até o mouse.

Existem bons produtos feitos na China e também muita coisa que não vale nada. O problema não está na produção, mas nas empresas que escolhem o que trazer para vender no Brasil. No caso dos meus ganchos, a empresa norte-americana foi pesquisar qual era o mais adequado para ser vendido dos EUA, enquanto a empresa brasileira importou qualquer gancho, visando só ao lucro.

Tudo isso para mostrar que das motos vendidas no Brasil temos ótimos produtos feitos na China, como os modelos de pequena cilindrada da Suzuki, mas também muita coisa ruim que só consegue algum espaço no mercado por ignorância do consumidor. Nunca vi nenhuma pesquisa a respeito, mas duvido que o dono de uma Sundown compre uma segunda moto da mesma marca — se ele conseguir vender a primeira!

Entre as recém-chegadas, vejo na Dafra a que tem mais poder de incomodar —incomodar a Suzuki e a Yamaha, claro, porque a Honda adquiriu o status de inalcançável mesmo que mude a ordem econômica mundial. A Dafra precisa rever alguns produtos trazidos da China, de qualidade ainda inferior e que exigem alguns quilômetros a mais de testes e melhorias. Mas a parceria com a alemã BMW e com a SYM, de Taiwan, que produz o Citycom 300, pode contribuir para dar à Dafra mais solidez no mercado. O crescimento da marca está mais ligado à entrada de novos consumidores que ao “roubo” de mercado das que já estão estabelecidas. Ainda assim, se eu fosse executivo da Yamaha, ficaria mais de olho nela do que na distante Honda.

Pelos dados da Abraciclo, a Kasinski está quase empatada com a Dafra, com 2,9% do mercado, contra 2,8%. Ela tem como um dos fornecedores a sul-coreana Hyosung, que produz as linhas Comet e Mirage. Em comum, as duas marcas optaram por escolher mais de um parceiro de origem diferente. Tanto a coreana Hyosung quanto a taiwanesa SYM fazem parte de grandes conglomerados industriais capazes de produzir motos de alto padrão; daí a importância em diferenciá-las das marchas chinesas ou indianas de qualidade questionável.

A participação de Yamaha, Dafra, Suzuki e Honda varia regularmente, o que mostra até certa estabilidade. As três primeiras são as que mais mordem participação entre si. Em 2011 essa divisão ficou facilitada pela ausência da Sundown do quadro de associados da Abraciclo, mas continua presente no mercado.

Outros dados curiosos de nosso mercado são as mais de 5.000 unidades de Harley-Davidson vendidas em 2011. Um número surpreendente não só pelo tipo de moto, mas sobretudo pelo altíssimo valor pago em alguns modelos de tecnologia bem simples. Também a BMW apresentou um crescimento vigoroso, graças ao lançamento da G 650 GS e da F 800 R montadas pela Dafra, que permitiu a entrada de muita gente à marca alemã.


Fonte: http://bestcars.uol.com.br/colunas3/g371-brasil-pais-das-motos.htm#
Fotos: Reprodução/ Honda

Um comentário:

  1. Muito interessante e esclarecedor o artigo.
    Vale uma boa reflexão.

    ResponderExcluir